Vamos mergulhar de cabeça (e em câmera lenta) na obra-prima da Netflix: “Chef’s Table” (2015-Presente).
Imagem: Divulgação/Netflix
Onde Assistir?
- Streaming: Netflix (é um de seus documentários originais mais prestigiados, com várias temporadas, incluindo Chef’s Table: France, Chef’s Table: BBQ e Chef’s Table: Pizza).
A Evolução de Jiro
Para entender “Chef’s Table”, você precisa saber de uma coisa: ela foi criada por David Gelb, o mesmo diretor de Jiro Dreams of Sushi. Depois do sucesso de Jiro, a Netflix basicamente deu a Gelb um orçamento (aparentemente) ilimitado e disse: “Faça aquilo, mas com o mundo todo.”
O resultado é esta série documental, lançada em 2015, onde cada episódio (de 50 a 60 minutos) é um perfil profundo, artístico e quase espiritual de um chef visionário diferente.
Se Jiro era um poema focado em um único artesão, a série “Chef’s Table” é uma antologia épica. Não é um programa de culinária. Você não vai aprender a fazer um Boeuf Bourguignon. Você vai aprender por que um chef argentino decidiu queimar tudo. Você vai entender por que um italiano quase faliu para salvar queijos parmigiano. É um programa sobre o “porquê” da comida, não sobre o “como”.
A Fórmula da Genialidade
Diferente de um filme, o resumo da série “Chef’s Table” é a sua fórmula. E a fórmula é hipnótica e (como veremos) perigosamente eficaz. Cada episódio funciona assim:
- Abertura Sinfônica: Começa com música clássica (geralmente Vivaldi, vamos chegar lá) e imagens em câmera lenta de pratos sendo montados que são tão bonitos que parecem de outro planeta.
- O Artista e a Filosofia: O chef se apresenta, em voice-over, não como um cozinheiro, mas como um filósofo. Ele explica sua “tese” (Ex: “Eu cozinho com fogo porque o fogo é selvagem”).
- A Origem (A Luta): Voltamos à infância. Quase sempre, o chef era um rebelde, um incompreendido, um “patinho feio”. Ele (ou ela) não se encaixava.
- A Descoberta: O momento “eureka” em que ele descobre a cozinha, geralmente através de uma mentoria dura ou uma viagem transformadora.
- A Crise: O momento em que tudo quase deu errado. O restaurante faliu, o crítico o odiou, ele teve uma crise de identidade.
- A Volta às Raízes (A Redenção): O chef redescobre sua verdadeira voz, geralmente ao voltar para sua terra natal, seus ingredientes locais, suas memórias de infância.
- O Triunfo: O restaurante se torna um templo, o mundo o reconhece, e vemos a fila de espera de meses.
A série “Chef’s Table” repete essa “jornada do herói” em quase todos os episódios, de Massimo Bottura (Itália) a Alex Atala (Brasil), de Grant Achatz (EUA) a Christina Tosi (EUA).
Análise Crítica: Dissecando o Prato Mais Bonito do Mundo
Vamos ser honestos, como amigos do CineGourmet: analisar a série “Chef’s Table” é analisar a série que inventou o “food porn” moderno.
- Roteiro (Storytelling): Como eu disse, a fórmula é o roteiro. E ela é extremamente eficaz. David Gelb e sua equipe são mestres em transformar a vida de um cozinheiro em uma epopeia mitológica. Eles pegam um cara que faz comida e o transformam no Aquiles da cozinha.
- Pontos Fortes: A narrativa é emocionante. O episódio de Massimo Bottura (Temporada 1, Ep. 1) é talvez o melhor de todos. A história de como ele quase desistiu de tudo, mas usou a arte moderna para reinventar a comida da avó (e como ele salvou a região do terremoto comprando todo o parmesão) é de chorar. O episódio de Francis Mallmann (Temporada 1, Ep. 3), o filósofo do fogo da Patagônia, é tão poético que você quer largar tudo e ir assar um cordeiro no chão. E o episódio de Alex Atala (Temporada 2, Ep. 2) é fundamental para nós, brasileiros, mostrando sua jornada de punk em São Paulo a explorador dos ingredientes da Amazônia.
- Pontos Fracos: A fórmula funciona. Mas depois de seis temporadas, ela cansa. Você começa a prever: “Ok, agora é a parte da crise… agora ele vai falar da avó… agora a música épica vai entrar.” A série “Chef’s Table” é incrivelmente auto-séria. Não há espaço para humor (diferente de Tampopo), não há espaço para erros (diferente de Julie & Julia). É um pedestal.
- Atuações (Os “Personagens”): Os chefs não são atores, mas são 100% “personagens” curados pela série.
- Eles são os “gênios torturados”, os “filósofos selvagens”, os “cientistas loucos”. A série os endeusa. Ela não está interessada na toxicidade da cozinha (que Pegando Fogo mostrou), nem no estresse do dia-a-dia.
- A série “Chef’s Table” está interessada no mito do chef. E é brilhante nisso. Você sai de cada episódio achando que aquele chef é a pessoa mais interessante do mundo.
- Direção e Cinematografia: Meu amigo, é aqui. É aqui que o jogo mudou.
- David Gelb pegou o que fez em Jiro (câmera lenta, close-ups) e deu um orçamento de Hollywood. A cinematografia da série “Chef’s Table” é, sem brincadeira, uma das coisas mais bonitas já filmadas para a TV.
- O “Food Porn” Definitivo: O uso de lentes macro que mostram a gota de azeite caindo, a textura de um sorvete, o vapor subindo de um pão. É filmado com uma sensualidade, uma reverência, que faz a comida parecer uma joia rara.
- O “Terroir” (O Ambiente): O que a série “Chef’s Table” faz de melhor é conectar a comida ao lugar. Eles não filmam só o restaurante. Eles vão para a geleira na Suécia (Magnus Nilsson), para o meio da selva amazônica (Atala), para a costa remota da Patagônia (Mallmann). O filme usa a beleza da natureza para justificar a filosofia do chef. A comida vem daquele lugar. É lindo.
- Trilha Sonora e Edição: Esta é a arma secreta número um.
- Se você ouvir o primeiro movimento de “Inverno” das Quatro Estações de Vivaldi, você não vai pensar em Vivaldi. Você vai pensar em “Chef’s Table”.
- A série usa música clássica (Vivaldi, Max Richter, Mozart) de forma agressiva e genial. A música não é “de fundo”; ela é a narradora emocional. Ela diz quando você deve se sentir maravilhado, quando deve sentir a tensão da crise e quando deve celebrar o triunfo.
- A edição é um balé. Ela corta no ritmo da música. Close-up na comida. Rosto intenso do chef. Paisagem épica. Infância. Close-up na comida. É hipnótico. É uma fórmula que mexe com seu cérebro e te deixa maravilhado.
Posicionamento: Um Templo Lindo (Mas Sem Críticas)
Sendo seu amigo aqui do CineGourmet, eu preciso te dizer: eu amo a série “Chef’s Table”. É o meu “show de zen”. Quando o mundo está feio, eu coloco um episódio para lembrar que a beleza e a paixão existem.
Mas… você precisa saber o que está assistindo.
A série “Chef’s Table” não é jornalismo. É uma hagiografia (uma “biografia de santo”). Ela nunca critica o chef. Ela nunca questiona os preços absurdos (como O Menu fez). Ela nunca fala sobre o burnout dos funcionários (como O Urso faz).
Ela é uma celebração pura, 100% otimista e romantizada do artista. E, quer saber? Às vezes a gente precisa disso.
A série é a tese de que Jiro Dreams of Sushi aplicada ao mundo: a de que um chef não é um operário, é um artista. E que um prato de comida não é sustento, é uma história, uma filosofia, uma obra de arte que você pode comer. E, cara, a série “Chef’s Table” defende essa tese com tanta beleza visual e emocional que você acredita em cada segundo.
O impacto cultural disso foi gigante. Chef’s Table mudou a carreira desses chefs. Mudou a forma como todos os outros programas de culinária (inclusive no YouTube) são filmados. Todo mundo hoje quer o “look Chef’s Table”.
Obrigatório, Lindo e Perigosamente Inspirador
A série “Chef’s Table” é, talvez, o documento de gastronomia mais importante do século 21 até agora. É um marco visual e narrativo.
- Pontos Fortes: A cinematografia mais bonita já feita sobre comida. Ponto. A trilha sonora que transforma culinária em ópera. E as histórias (especialmente das primeiras temporadas) que são genuinamente inspiradoras.
- Pontos Fracos: A fórmula se torna extremamente repetitiva depois de um tempo. E é um programa 100% sem senso crítico, beirando a idolatria.
Vale a pena ser assistido? É ABSOLUTAMENTE OBRIGATÓRIO.
Este não é um programa para “maratonar” tudo de uma vez (você vai ter uma overdose de genialidade e música clássica). É um programa para ser degustado. Assista a um episódio. Pense sobre ele. Inspire-se. Depois vá para o próximo.
É indicado para qualquer pessoa que ame gastronomia, arte, design, música clássica, ou que simplesmente queira ver algo bonito e acreditar na paixão humana.