Meu amigo, senta aí. Pega um copo d’água, porque a fome que esse filme dá é de medo.
Esqueça Ratatouille. Esqueça Chef. Esqueça Julie & Julia. Todos os filmes que vimos até agora no CineGourmet celebram a comida como uma forma de amor, conforto e conexão. O filme de hoje, número 15 da nossa lista, celebra a comida como uma arma de vingança, um instrumento de tortura psicológica e a maior de todas as piadas de humor ácido.
Hoje vamos dissecar (com perdão do trocadilho) a obra-prima satírica “O Menu” (The Menu), de 2022. E, sério, se você já trabalhou um dia na vida em atendimento ao cliente, este filme é a sua vingança.
Imagem: Divulgação/Searchlight Pictures
Onde Assistir?
O Prato que se Come Frio (Bem Frio)
Lançado em 2022 e dirigido por Mark Mylod (o mesmo diretor por trás dos episódios mais constrangedores e geniais de Succession), “O Menu” não é um filme de gastronomia. É um filme de suspense, uma sátira social afiada e uma comédia de humor preto (tão preto quanto o café mais forte) que usa a alta gastronomia como seu palco.
O filme nos convida para um jantar no Hawthorne, o restaurante mais exclusivo, conceitual e caro do mundo, localizado em uma ilha remota. O custo? $1.250 dólares por pessoa. O prêmio? Um menu-degustação único, preparado pelo lendário e recluso Chef Julian Slowik (Ralph Fiennes). O problema? O prato principal desta noite é uma vingança meticulosamente planejada contra os próprios clientes. O filme “O Menu” é, em essência, uma história de “Eat the Rich” (Coma os Ricos)… literalmente.
Um Menu-Degustação em Sete Atos Fatais
(Sem Spoilers)
A trama do filme “O Menu” segue um grupo seleto de convidados (que são, na verdade, arquétipos da elite que o Chef Slowik despreza) que chegam à ilha:
- Tyler (Nicholas Hoult): O “foodie” insuportável, que idolatra o chef, fala jargões e está mais preocupado em “entender” a comida do que em saboreá-la.
- Margot (Anya Taylor-Joy): A acompanhante de Tyler, uma “intrusa” que não deveria estar ali e é a única pessoa cética em relação a todo aquele circo.
- A Crítica (Janet McTeer): A crítica gastronômica poderosa que, com uma palavra, constrói e destrói carreiras (incluindo a do próprio Slowik, de certa forma).
- O Astro de Cinema (John Leguizamo): Um ator em decadência, desesperado por relevância.
- Os “Tech Bros” (Rob Yang, Arturo Castro): Os novos-ricos que nem sabem o que estão comendo.
- O Casal Rico (Reed Birney e Judith Light): O “dinheiro antigo”, clientes fiéis que nem lembram o nome dos pratos que comeram.
Eles são recebidos por uma equipe de cozinha que funciona como um culto militar, liderada pela assustadora maître Elsa (Hong Chau). O Chef Slowik apresenta cada prato com um monólogo. O primeiro prato é conceitual. O segundo é desconfortável. No terceiro, o primeiro sangue é derramado. E, a partir daí, o filme “O Menu” revela que os convidados não estão ali para jantar; eles estão ali para serem o espetáculo final de um artista que perdeu a paixão.

Análise Crítica: Dissecando a Obra
O filme “O Menu” é uma daquelas obras raras onde cada ingrediente está no ponto perfeito.
- Roteiro: O roteiro de Seth Reiss e Will Tracy é uma obra de relojoaria. A estrutura, dividida pelos pratos do menu (“O Pão… sem Pão”, “O Caos”, “A Revelação”), é uma sacada genial. Cada prato serve como um capítulo que avança a trama e expõe uma nova camada de podridão dos convidados. A sátira é brutal. O filme não ataca a comida; ele ataca a cultura ao redor dela: a “foodie culture”, a pretensão, a intelectualização de algo que deveria ser prazeroso, e a forma como a classe alta transforma arte em “produto de consumo”. Os diálogos são afiados, rápidos e hilários de tão absurdos. O roteiro do filme “O Menu” é um ataque direto à indústria de serviço, dando voz ao chef, aos cozinheiros, às garçonetes que têm que sorrir para clientes que os tratam como lixo.
- Atuações: O elenco é um absurdo.
- Ralph Fiennes (Chef Slowik): Vamos começar pelo óbvio. Ralph Fiennes entrega uma das melhores atuações de sua carreira. Ele NÃO é um Gordon Ramsay gritão. Ele é pior. Ele é calmo, preciso, cirúrgico. Sua raiva não é quente; é uma decepção fria e letal. Ele é um deus em seu próprio Olimpo, um artista torturado que odeia seus “fãs” porque eles destruíram sua arte. Seus monólogos são aterrorizantes e, ao mesmo tempo, tristes.
- Anya Taylor-Joy (Margot): Ela é o nosso ponto de vista. Se Slowik é a arte corrompida, Margot é a realidade. Ela é do “povo”. Ela é a única que não “pertence” à elite, e por isso é a única que vê a farsa. A guerra psicológica entre ela e Slowik é o verdadeiro prato principal. Ela não é uma “final girl” tradicional de terror; ela usa sua inteligência (e seu passado na indústria de serviço) para lutar.
- Nicholas Hoult (Tyler): Sinceramente? O personagem mais assustador do filme “O Menu” é o Tyler. Ele é o “fã” tóxico. O cara que “ama” tanto a arte que suga toda a alegria dela. Ele é tão obcecado em pertencer àquele mundo que aceita qualquer humilhação. A atuação de Hoult é PERFEITA. Você vai odiá-lo com todas as suas forças, e essa é a intenção. Ele é o verdadeiro vilão do filme.
- Direção e Cinematografia: A direção de Mark Mylod (vindo de Succession) é clínica. O filme é lindo de um jeito estéril. A simetria dos planos, a frieza da arquitetura do restaurante (que é uma prisão de vidro), a forma como a cozinha é filmada (com precisão militar) — tudo isso cria uma atmosfera de claustrofobia e controle absoluto. E a comida? A comida no filme “O Menu” é filmada de um jeito genial: ela é pretensiosa. Não é o “food porn” de Chef (2014) que te dá fome. É filmada para parecer um conceito ridículo: “espuma” disso, “essência” daquilo. A câmera zomba da comida tanto quanto zomba dos clientes.
- Trilha Sonora e Edição: A trilha sonora de Colin Stetson é toda baseada em cordas dissonantes, que soam como se estivessem prestes a arrebentar. Não há uma melodia “gostosa”; há uma tensão crescente. A edição é cortante. As batidas de palma de Slowik, seguidas pelo “SIM, CHEF!” da brigada, funcionam como uma pontuação rítmica que te deixa cada vez mais ansioso.
Posicionamento: A Vingança do Cheeseburger
Como seu amigo aqui do CineGourmet, eu preciso te dizer o que eu acho que é a verdadeira genialidade do filme “O Menu”.
Este filme é sobre um artista (Chef Slowik) que se corrompeu. Ele começou a amar cozinhar, mas a pressão para inovar, para agradar críticos pedantes e clientes ricos que não dão a mínima, matou sua paixão. Ele se tornou um “provedor de conteúdo de luxo” em vez de um cozinheiro. Seu menu final, o suicídio/assassinato coletivo, é sua última “performance artística” — uma crítica final ao sistema que o destruiu.
Mas aí… entra a Margot.
O clímax do filme “O Menu” é uma das coisas mais inteligentes que vi no cinema em anos. Margot é a única que entende o chef. Ela vê que ele não é um monstro; ele é só um homem miserável que odeia seu trabalho. Ela não tenta lutar com facas. Ela faz a única coisa que pode salvá-la: ela quebra o feitiço.
Ela se recusa a comer o prato conceitual e diz: “Estou com fome. E eu quero um cheeseburger.”
Meu amigo, essa cena é TUDO. Ela não pede “carne de kobe com queijo trufado”. Ela pede um cheeseburger simples. Com batata frita. Ela pede comida de verdade. Ela pede a comida que ele, provavelmente, amava fazer antes de se tornar um “gênio”.
E o Chef Slowik? Pela primeira vez no filme “O Menu”, ele sorri. Ele vai para a chapa e prepara o cheeseburger com um amor, com uma paixão, que não vimos em nenhuma das “espumas” de $1.250. Ele volta a ser um cozinheiro.
Margot dá uma mordida, elogia (o primeiro elogio sincero da noite) e pede “para levar”. Ela quebra o “menu”. Ela o lembra da alegria do serviço. E é isso que a salva. O filme “O Menu” não é sobre terror; é sobre a redenção da arte através da simplicidade.
Conclusão: Um Prato Cheio de Sarcasmo (e Delicioso)
“O Menu” é uma obra-prima da sátira. É um filme tenso, hilário, inteligente e profundamente catártico para qualquer um que já detestou um cliente.
- Pontos Fortes: O roteiro (uma estrutura impecável); as atuações (Ralph Fiennes e Nicholas Hoult estão divinos); a direção de arte clínica; e um clímax (o cheeseburger) que é simplesmente genial.
- Pontos Fracos: Sendo muito chato, talvez alguns dos arquétipos dos convidados sejam um pouco rasos? Mas essa é exatamente a piada. O filme “O Menu” é praticamente perfeito no que se propõe a fazer.
Vale a pena ser assistido? É OBRIGATÓRIO.
É o filme perfeito para quem gosta de humor ácido, de Succession, Triângulo da Tristeza ou Parasita. Se você quer ver um filme que vai te fazer rir, ficar tenso e pensar, “O Menu” é o seu prato. (Só… talvez não jante em um restaurante chique depois de assistir).